COM TEXTOS E ENDEREÇOS
Avistei em mim, num dia como os outros, sem caravelas ou terra que valha, um ponto de vista precioso. Cego acho que ninguém tem. O meu, repleto de veredas. Nele foquei surpresas boas, nenhuma cerimônia. Nem honra ao mérito, nem bum do momento. Vazio de qualquer arrependimento. Um ponto sem interrogação. Sem aceitação de rótulos, plaquinha de patrimônio. Um simples crachá de botões da velha Maria Grampim (daqui a pouco falo dela).
Ponto avesso a etiquetas que tentam passar por cima de estilo e ainda achar que valeu a pena o empenho. Mergulhei nesse ponto sem nenhuma reticência. Aliviante. Simples assim. A partir dele meu dia transformou rotina em ritos sagrados sem figuras para tomar conhecimento real disso. Eita vida artesã, paciente e traquejante. Faz a gente rebolar, compor a música e ainda nos afina, nos põe no ponto. Mostra a pedra bruta e o prazer do nosso instante ao polir o diamante. Dá inúmeras chances de olhar para gente mesmo como a primeira vez! Nos surpreende. Sua a testa, pinga. Dá o trabalho e o prazer da conquista.
Por isso trago em mim, muitos corações para pulsar em tantos peitos. Dose extra, extravagantes. Doses cavalares de energia (quando o caminho estica demais). Neste caso, a poesia me dá carona, me deixa onde achar que deve. É companhia e companheira certeira, parceira. Sinto verdades sem ter que provar nada, nem para ela mesma. Isenta dos julgamentos em qualquer sentido. Modela nosso esqueleto expande nosso tecido. Mal cabe dentro do conteúdo, mas cai como uma luva no contexto. Pede emprestado e devolve sem adulterações. Não se gasta, se esparrama. Ficamos uma dentro da outra, completamente inteiras. Não aceita rascunho. Nem assinada, se assume.
Pertence a quem quer que as entenda. Leva consigo nas entranhas e pensamentos apenas a imagem que se tem dela. É cortesã. O resto fica à mercê de todos os olhos disponíveis. Qualquer caminho nos leva ao encontro dela. Basta reconhecer o espaço que ela pode e queira ocupar. O caminho até a minha pia por exemplo é um deles. Não parece fora do texto? Mas é com texto que conta o conto, e perde as contas onde a vista não alcança, a cabeça não compreende. Poesia não vem com manual. Bom, ao caminho até a pia retorno. Entro. Literalmente fecho a porta da cozinha (nessa hora o respeito é unânime) e abro infinitas janelas para receber suas graças, enquanto eu e o tempo que tenho para deixar tudo limpo, entramos em sintonia. Movimento corriqueiro transformado em expectativas das mais inusitadas. Entre água e sabão, companhias ilimitadas que também lavam a minha alma.
Hoje foi a vez de minha convidada Cora. Sim, ela mesma, Coralina! Fiz um doce de mamão verde antes. Imaginem a honra e o aperto em fazer o melhor que eu sabia e se nem tacho ou fogão a lenha tenho. Mas ela não se importou. Foi logo ocupando o melhor lugar em meus ouvidos, e o fone apenas um detalhe; uma via da hora. Minhas bagagens emocionais dispus no vídeo que me permitiu viajar. Nelas, Coralina, sem dúvida, deu de cara com Adélia Prado e acenado com gosto. Juntas, abrimos a torneira e a água tomou formas que mostravam traços de satisfação entre falas na rede e a vez do não perde o sabão. A pilha de talheres sempre grande. Nada que uma poesia não pudesse polir e o amanhã recomeçar. Clareando seus registros, inseridos no ato de servir e ser servido. Algumas amostras de porcelana, carregadas de memórias. Como a própria vida em que a poesia não se separa nunca. Igual valor, histórias onde cabe tantas outras. Sim, entre utensílios graduado e imagens sem filtro, foi um pulo até Goiás. No distinto reduto Cora transitava em energia em seu espaço físico, sacramentado. Nesse instante, enviei uma mensagem à minha aventureira amiga Nenena. Olha veja a casa de Cora!!! Vaticinava já no circuito. Vou continuar a noite, disse a Doutora.
Foi o tempo de quebrar um copo para eu retomar a fonte. Aquela bica suave onde romeiros, turistas, amantes e curiosos, cansados e sedentos se ajoelhavam. Naquele momento eu já convertia; água torneira abaixo, numa lenta e musical amostra do fio que Cora tecia.
Senti o cheiro da casa, vi a trouxa de roupas de Maria da Purificação (conhecida com Maria Grapim, tantos grampos na cabeça). Convidada por Cora a ocupar um lugar nobre na casa, morar literalmente. Mas ela e uma trouxa de roupas bordadas com botões avulsos que achava no chão da cidade, preferiu o porão da casa, para não perder os ares da rua. Andarilha por vocação, talvez. Esse clima me fez corar como manga rosa, e de doce, amadurecida com as escolhas convictas alheias, certamente me tornei mais macia. Quem não carrega as suas…
Fim de mais um expediente. Suspiro ricamente.
Já não havia mais louças pedantes, apenas o gosto da hospitalidade. Uma poesia que pude sentir, um até breve de pé, diante da pia seca. Tirei o fone de ouvido já saudoso da convidada. Cora se sentiu mais uma vez em casa. Na minha casa e de quem mais a tenha chamado.
Um cotidiano de poesia regado em território jamais dominado.
Poesia. Liberdade de dizer a verdade em pratos limpos.
Extrair ouro sem precisar do garimpo. Lugar criativo de Amor. É sentir na água o sabor da sede.
Uma casa que não se sustenta pelas paredes.
DEUS POETIZOU CORA, NA SUA MAIS COMPLETA TRADUÇÃO.
MINHA PAIXÃO…
GRATIDÃOOOOOO!!!
Entre, tantos, pontos, conto palavras e a tomo mim…
Se, pois, se vagam soltas ao ventos….
Nenhum atrevido navegante, lhes tomou as posses…
Entao… Faço lhes minhas, estas, aquelas e aquelas,
Lindas, vagueantes, e depois, brilhantes…
Mas, serão sempre…
Tantas sutilezas, quantas transparências que se escondem e se acomodam não só em texto, ou em tese, mas em sentimentos e sensações
Entrar nas linhas, tomar um gole de fantasia, e depois retornar à vida com um pouco mais de poesia
Que sensibilidade Júlia!
Queria eu estar aí com você e Cora❣️, ela com certeza estava aí nesta cozinha com você.
Lindo texto e participei dele com minha imaginação ,emoção … Senti essa hospitalidade ,escutei o barulho da água ,admirei e pensei nessas três mulheres encantadoras que têm o dom da escrita (Júlia ,Cora e Adélia).Ameiii .
Lendo, relendo, paro e vejo as espumas do Mar…
Suaves, são vossas palavras, e o vento ressabiado, sopra devagarinho….
Sem sussurrar, sem levantar uma folha…
Somente, para ouvir-lhe, palavras…
Suaves, leves, como a sua alegria, e as tuas palavras… Júlia…
Shiiiiiii……