DICAS DE FILMES: Documenteur (1981) e Mur Murs (1981)

“No cinema, e em toda parte, é importante sentir vivenciar.”
Agnès Varda (‘Varda por Agnès’ (2018)

Hoje apresento 2 filmes de Agnès Varda. São eles: MUR MURS (Muros e Murmúrios) e DOCUMENTEUR (Documentira).

“Costuma-se dizer que você está ‘contra a parede’ quando você tem que mostrar o seu valor, seu verdadeiro rosto… Como se o resto do tempo você escondesse seus sentimentos por trás de um rosto falso, uma cabeça extra para colocar uma frente falsa.” Documenteur

A radicalidade de Agnès Varda é o fio condutor constante em seus filmes! Ao fazermos um imersão estética sobre estas duas obras, percebemos o paradoxo entre a união e a separação, presente no diálogo sobre a amiga morar longe dos filhos, mas que os ama mesmo morando longe deles; presente também, nos momentos quando a personagem principal conversa com o filho sobre ele ter de dormir no quarto dele e que ela precisa sair para trabalhar ou para fazer as coisas dela. Somos convidados a refletir:

A arte imita a vida e/ou a vida imita a arte? O que é verdade e o que é mentira?

É uma ficção ou é um documentário? Quem narra o filme é a própria Varda ou é a personagem? Em ‘Documenteur (Documentira)’, vamos conhecendo as novas rotinas de uma mulher recém-divorciada, Emilie (Sabine Mamou), e seu filho de oito anos, Martin (Mathieu Demy). Temos um filme ficcional com referências autobiográficas.

As perguntas que vão surgindo, refletem discussões sobre quais são os limites da arte/cinema – os limites da imagem comunicar o mundo e a abordagem das questões sociais. Como pano de fundo percebemos a pobreza e um pouco mais sobre a situação dos imigrantes na América do Norte. Numa sociedade consumista, meritocrática, que ‘coisifica’ os sujeitos e onde o ‘Ter’ é mais importante que o ‘Ser’, emergem as conotações políticas do ‘catar as coisas na rua’, e ampliam a ideia de que o sujeito que cata algo na rua se constitui na construção de um ‘Eu’ que se constrói a margem desta sociedade, porém este sujeito reflete a imagem da sociedade onde ele vive.

Neste contexto de resistência e reconstrução pessoal, a personagem principal mostra o que é ser mulher mesmo em momentos de escassez, opressão e medo. O feminismo não se constitui apenas no feminismo militante, mas na vida cotidiana, na práxis do empoderamento do ser mulher, ser humana, ser trabalhadora, ser mãe, ou seja, no que ela quiser.

A indicação destes dois filmes, além do que já foi apresentado, é por eles se mesclarem no cotidiano da cidade de Los Angeles (Califórnia/EUA). São obras que se complementam, mas que podem ser vistas separadamente e sem nenhum problema. DOCUMENTEUR (Documentira) é uma obra ficcional com elementos de documentário e MUR MURS (Muros e Murmúrios) é um documentário com elementos ficcionais.

Nas palavras da própria Agnès Varda, ditas no documentário ‘Varda por Agnès’ (2018), ela afirma: “Eu sempre digo que ‘Mur Murs’ é um filme sobre a Los Angeles extrovertida, as pessoas se expressam através de muros, roupas e palavras. Mas senti também uma Los Angeles introvertida triste e desesperada {em ‘Documenteur’}”.

Em ‘Mur Murs’ (Muros e Murmúrios), Agnès Varda nos leva em uma viagem contemplativa pela cidade Los Angeles e seus arredores, visitando obras de artistas de vários seguimentos, inseridas em diversos locais e contextos e que fazem parte da paisagem urbana. São intervenções em ‘Muros’, onde podemos sentir os ‘Murmúrios’ dos povos, culturas e comunidades que constituem a cidade.

Contemplando as obras e histórias apresentadas em ‘Mur Murs’ (Muros e Murmúrios) e sendo belorizontino, é impossível deixar de relacionar com os Murais de Belo Horizonte/MG, promovidos pelo ‘Circuito Urbano de Arte’ (CURA). Um projeto belissimo! Clique no link e na imagem abaixo e saiba mais.

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Vale ressaltar que documentos e documentários não, necessariamente, atestam sempre a verdade, eles podem falsificar, maquiar e promover discursos e histórias. O importante é conhecer e investigar as fontes, buscar mais informações sobre o que está sendo apresentado, não apenas para se estabelecer uma verdade, mas para conhecer outros pontos de vista e compreender seu lugar no Mundo.

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Filme: MUR MURS (Muros e Murmúrios)

França, Estados Unidos, 1981 – 85 minutos
Direção: Agnès Varda
Sinopse: Documentário sobre os “murais” de Los Angeles, ou seja, as pinturas sobre os muros da cidade. Quem as pinta? Quem as paga? Quem as olha? Como esta cidade, que é a capital do cinema, se revela sem trucagens – e com seus habitantes – através destes muros murmurantes.

Filme: DOCUMENTEUR (Documentira)

França, Estados Unidos, 1981 – 65 minutos
Direção: Agnès Varda
Elenco: Mathieu Demy (Martin Cooper); Sabine Mamou (Emilie Cooper); Lisa Blok (Lisa, l’amie); Tina Odom (Tina, la serveuse)
Sinopse: Um filme com referências autobiográficas e as sempre presentes questões sociais. Agnès Varda o chamou de filme de emoções e nele apresenta uma narrativa do dia a dia de uma mulher recém-divorciada, Emilie (Sabine Mamou), que acabou de chegar a Los Angeles com seu filho de oito anos, Martin (Mathieu Demy).