Sentido do tempo…

Hora do banho, nada mais íntimo. Empenhamos para não deixar nada a dever aos minutos tão intensos. Começamos a nos enxugar, dobras e dobradiças, relevos e planícies, cada medida do tecido que nos cabe conhecer de fato. Ali, diante do espelho, duas imagens se cruzam. Fazemos caras e bocas, esticamos dali e daqui, meio que borracha, outro gesso puro. As vezes sentindo ridículas, curiosas, críticas sem piedade, debochadas, mas sempre admiráveis na maneira de nos encarar e tecer nossa meta secreta! Sem reservas, sem photoshop, sem nenhuma defesa. Nus ou nuas e cheio de perguntas que não me cabe dizer quais são. Cobrimos com roupagens leves ou pesadas, coloridas ou monocromáticas que guardam outras novidades para o próximo banho. Continuamente, mesmo inconsciente.

No banho, seja o mais primitivo ou sofisticado, de caneco ou uma ducha generosa, despimos partes que nos dá a sensação de um certo alívio. Livres, de uma certa forma ou com amarras invisíveis que não impedem nossa evolução. Intercambiamos o caminho que a pele registra desde as primeiras camadas formadas.

Nesse maior órgão do corpo humano, há mapas e caminhos curtos e de voltas longas, diálogos vividos, harmonia e discussões complexas que travamos com as nossas tolices ou com propósitos consistentes que fazem todo o sentido. São digitais que jamais serão repetidas em nenhum outro ser. Contextos gerais, bordados, traços firmes e apagados, linhas contínuas ou fragmentadas, extremidades que são verdadeiros arquivos. Impressões que ninguém ousou traduzir com total precisão. Reflexos e suposições que nos convidam a exercer um determinado papel na pele do outro, mas que na hora H, vale mais o que não conseguimos ouvir de quem quer que seja. O silêncio naquelas medidas é profundamente revelador. Ele realmente é o que mais nos aproxima de nós mesmos. Sentimos literalmente na pele o calor das emoções, o arrepio do convite ou do repúdio. Na pele tão cheia de poros e filtros nos permite o seleto desejo do prazer recebido e gerado. Essa mesma cobertura nos oferece territórios que povoamos com imagens que por mais que percam o brilho, estará ali, firme em sua identidade, com todas as envergaduras. Caminha retilínea no tempo aliado. Mostra o cuidado e o descuido com a mesma linguagem que demonstra um apelo ou um descaso. Ela está ali sujeita a chuvas e trovoadas, jardins e afins, sol e sombra fresca, reações físicas, químicas e emocionais que emergem até nos mais desavisados.

A pele não pode ficar contida nas limitações mecânicas que egoisticamente a impomos. Ela meio que camaleoa, num mimetismo justo e ideal, esconde atrás de si mesma, uma dupla proteção. Explico. E falo agora em causa própria.

Eu, de “molho” há algum tempo, imposta de uma certa forma às condições do momento, pude notar que era hora do enxágue e dar aquela torcida para facilitar o trabalho do sol. Hora apropriada para um distinto banho. Neste, consigo escapar de uma avalanche psicológica que as vezes chega sem ser convidada. Precisava me exorcizar de algum pensamento teimoso que me colocava abaixo do nível do mar. Minha primeira tentativa era não desistir mesmo que ele fosse hidrofóbico! Como isso fez diferença! Não ter medo de pelo menos tentar! Correr para o banho não era mais uma questão de hábito ou princípios, e sim um prazer incomensurável de me sentir mais segura com o propósito do dia. Ali canto canções que escolho aleatoriamente. Curto a cachoeira morna e fecho os olhos ampliando as melhores expectativas! Ritual cumprido. Hora da checagem. Cabeça leve e já me brota um sorriso. Agora caminho sobre mim sem pressa. Vejo uma pele que não responde ao hidratante, nem aos 2 litros de água tomados diariamente. Tipo solo trincado do sertão mais castigado. Gente o que estava acontecendo com a minha tez? Insensatez? Não reconheço a textura. Sai desse impacto, determinada a resolver mais essa pendência. As tentativas de recuperação, inúmeras; sem sucesso. Descabelei, li artigos nada científicos com várias suposições, comprovações que me deixavam supor, bulas e tudo que não me deixavam tranquila. Por fim, meus miolos pediam clemência!!!

Contudo, nessa briga de braço, joguei a toalha. Não investi em cremes ou coisa do tipo durante 15 dias, só para ver até onde aquele tapete parecendo uma lixa, me levaria. Nesse intervalo, fui omissa, fiz cara de paisagem, evitei ficar conferindo a cada vez que tirava a roupa. Deixei rolar.

Mas nada como um dia após o outro e uma possibilidade que pode nos fazer ganhar o mundo!

Deixei minha pele agir por conta própria e realmente aprendi a confiar. Há reações tipicamente humanas que precisam acontecer, não devem ser abafadas. Possuem uma linguagem própria que não precisa necessariamente passar por produtos exógenos. E assim aconteceu…

Exatamente no final dos quinze dias, a blusa escura que eu despia parecia conter um pó. Estranhei e continuei a investigar. Era realmente um pó, mágico, constatei! Ele tinha uma origem discreta e delicada que pulverizava sobre minha pele! Ela estava sendo trocada! Tirei o resto da roupa numa pressa absurda, esfuziante, numa mistura de surpresa e encantamento… A pele que até então me apavorava, preparava a vinda de uma outra, fortalecida e renovada! Muito mais incrível do que eu poderia imaginar!

Não tenho palavras que chegam perto do espetáculo que pude conferir!

E então? Qual foi o recado?

À flor dessa nova pele, um aprendizado que não se encerra…

A SEMENTE SERENAMENTE ESPERA A BELEZA DA PRIMAVERA!